quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Entre o que nos acontece, o que fazemos e o que somos há um caminho a percorrer, um caminho que terá o nosso nome, um caminho povoado de vivências e memórias. A nossa história. Seremos nós capazes de assumi-la? Seremos nós capazes de olhar as nossas próprias sombras, reconhecer os nossos erros, recuperar a esperança depois dos contratempos e das desilusões profundas? Há sempre muitas desculpas para justificar as más escolhas mas que desculpas existem para explicar o que não fizemos, o ter ficado à espera, o ter deixado que tudo à nossa volta fosse acontecendo numa inevitabilidade insuportável? Mesmo quando nada fazemos podemos estar a agir. Escolher não agir é uma forma de se escolher e isso implica consequências. Tudo tem consequências e é impossível fugirmos a elas ou aceitar só as que nos são favoráveis. Se queremos ser livres temos que ser responsáveis e, mesmo que escolhemos abdicar da liberdade, mesmo assim vão exigir de nós responsabilidades. Por isso é preferível assumirmos como verdadeiramente nossos aqueles actos que foram da nossa autoria e não nos limitarmos, tal como as crianças, a sermos confrontados com todo um conjunto de coisas que dizem que fomos nós que as fizemos.Viver a vida com intencionalidade é sempre melhor do que ir vivendo a acaso, ao sabor dos ventos. Assumir a liberdade possível é melhor do que ser escravo de um destino inexorável que transforma a nossa vida num ininterrupto acontecimento.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O homem é um ser condicionado. Desde muito cedo, aprendemos que não podemos fazer tudo o que queremos. Essa consciência, por vezes bem pesada, não anula porém a liberdade, mas complica-a, obrigando-nos a pensar o homem como um ser situado e em circunstância e não como um ser abstracto, possuidor de dons e características inatos. A nossa liberdade de escolha não é ilimitada mas, por mais ínfima que seja, ela existe a não ser que abdiquemos dela e deixemos placidamente que outros escolham por nós. A liberdade humana é sempre a possível e nunca a desejável. A liberdade implica capacidade de autodeterminação, de autonomia, a liberdade constrói-se à nossa medida e à medida das nossas possibilidades. O que importa não é o que nos acontece mas aquilo que fazemos com o que nos acontece. É isso que faz a nossa diferença em relação aos outros animais. É esse o sinal da nossa liberdade, da necessidade de construirmos o nosso próprio destino.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

- Voltando ao tema em análise: a acção exige um agente, aquele que assume os seus actos e que não é apenas um actor mas autor deles e consequentemente de si mesmo.
- Será que a nossa vida não foi escrita por alguém e nós apenas nos limitamos a representá-la? - interrompeu a Madalena
- Sei que não acreditas na liberdade e que preferes assumir uma atitude fatalista mas é possível assumirmos o nosso próprio destino começando por assumir os nossos actos, desejando-os, querendo-os, premeditando-os, escolhendo-os.
- O que é que o desejo tem a ver com a acção? perguntou o Jerónimo
- O homem é um ser de sonhos e de desejos. Tudo isso está presente nos nossos projectos e são eles que estão na base das nossas acções.
- Sonhar não basta - comentou a Madalena
- É preciso acrescentar a vontade ao sonho. Para que a acção passe da fase de projecto à execução é necessário ter força de vontade. Depois de delineado o projecto ou os múltiplos projectos que constituem a nossa vida temos que os por em prática, modificando-os se for necessário mas nunca desistindo.
- Por vezes obrigam-nos a desistir - disse a Madalena
- Muitas vezes somos nós que desistimos por preguiça, por comodidade, por fraqueza, porque sonhamos rasteiramente e depois culpamos ou outros pelos nossos falhanços. A vida não é fácil, nunca ninguém disse que o era. Não podemos projectar as coisas e ficar à espera que elas aconteçam, que os outros se afastem e deixem livre o espaço que julgamos que deveria ser o nosso.
- O stor está a dizer que devemos ir em frente contra tudo e contra todos? - perguntou o Rogério
- Não, não estou a fazer a apologia do forçar a situação para além dos limites transformando a nossa vida numa guerra aberta e permanente. Só devemos empenharmo-nos naquelas lutas que podemos e devemos vencer. As nossas grandes armas são a ponderação e o bom senso.
- Temos que pensar antes de fazer qualquer coisa? - perguntou o André - Pensar muito não significa adiar as coisa e a vida?
- Vê-se que estás a ler o Fernando Pessoa - observou o professor - A vida porém não é poesia e somos obrigados a pensar bem em tudo, a escolher entre as várias possibilidades para fazermos aquilo que é correcto e aquilo que é melhor para nós.
- Aquilo que é correcto? - perguntou a Madalena - Como é que sabemos o que é que é correcto?
- Ouvindo a nossa consciência moral. É claro que isso será o tema de uma próxima aula.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

- Hoje, vamos fazer a destrinça entre acontecer, fazer e agir - começou o professor
- Vamos fazer o quê? - perguntou o André
- Vamos distinguir entre acontecer, fazer e agir. Aparentemente, à primeira vista é tudo igual e a maior parte das vezes usamos as palavras fazer e agir como se fossem sinónimos. Porém, "nem tudo o que fazemos é acção.". Esta frase de Jesus Mosterín vai servir-nos de motor de arranque.
- Já cá faltava uma citação para comentarmos - lamentou-se o Rogério
- As citações só são importantes para despertarem os nossos próprios pensamentos. - o professor assumiu a sua pose doutoral - Há coisas que nos acontecem e das quais somos apenas as vítimas. Há coisas que fazemos sem delas termos consciência. Há ainda coisas que fazemos involuntariamente embora possamos ter consciência delas Por fim, há coisas que fazemos conscientemente, voluntariamente e intencionalmente. Só a estas coisas podemos com propriedade chamar acções. Deste modo, só os seres humanos efectuam acções porque agir pressupõe e implica consciência, vontade e liberdade. Qualquer acção é uma interferência no normal decurso das coisas.
- O que é que a liberdade tem a ver com a acção? - perguntou a Madalena
- A liberdade é o busílis da questão
- A liberdade é o quê? - preparou-se o André para escrever mais uma palavra esquisita no seu já repleto caderninho de bolso
- A liberdade é central em tudo isto. É a liberdade que nos distingue dos animais, é ela que está na base da auto-construção de cada homem. Ao agir, ao escolher entre várias possibilidades de acção, o homem escolhe-se e constrói-se.
- Voltemos aos elementos que caracterizam a acção - pediu o Jerónimo
- Falemos então da rede conceptual da acção
- De quê?
- Dos elementos caracterizadores e clarificadores da acção. São eles: o agente, o motivo, a intenção e a decisão que implica deliberação. Uma acção é sempre de alguém que tem razões que explicam aquilo que fez, tem um propósito e ponderou as consequências e as possibilidades. Se algum desses elementos da rede falha estamos perante um simulacro de acção, um acto falhado ou um equívoco.
- Há muitas coisas que fazemos por obrigação - comentou a Madalena
- Há vários tipos de obrigação: há obrigações externas, imposições a que não podemos fugir sob pena de sanções e há obrigações internas, morais que nós mesmos escolhemos e aceitamos. Estas últimas não anulam a liberdade mas estão implicadas nela e introduzem-nos nos domínios da responsabilidade. As acções exigem sempre responsabilidade. É isso que traduz a importância do agente, daquele que assume integralmente os seus actos.
- Gostaria de falar mais da liberdade - disse a Madalena - Não acredito que ela exista a não ser como ilusão Quem é que pode escolher aquilo que quer fazer?
- Essa discussão iremos tê-la numa próxima aula quando falarmos das condicionantes da acção e do determinismo.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

- O que é um espírito aberto? - perguntou o Jerónimo na sequência de uma aula anterior
- A abertura de espírito implica ser tolerante, respeitar integralmente os outros, mesmo quando os combatemos. Por outro lado, ter abertura de espírito é não estar enclausurado em dogmas, verdades demasiado apertadas que são como que coletes de forças.
- Ter um espírito aberto significa não ter certezas? - perguntou a Madalena
- Claro que não. Ninguém pode viver na incerteza total e permanente. De uma maneira ou de outra funcionamos com crenças e há mesmo quem lhes chame conhecimento. É preciso é não transformar as certezas em fortalezas inexpugnáveis...
- Inexpugquê? - perguntou o André que andava sempre com um caderninho de bolso para apontar as palavras esquisitas que o professor dizia.
- Eu queria dizer inatacáveis.
- Já sabemos a importância da dúvida para a Filosofia - adiantou a Madalena - mas a dúvida excessiva não será prejudicial?
- estás-te a referir ao cepticismo radical - esclareceu o professor- É evidente que duvidar de tudo sistematicamente e indiscriminadamente pode ser contraproducente...
- O quê?
- Pode até ser perigos. Não podemos confundir a abertura de espírito com a contestação pura e simples, a contestação pela contestação, o espírito de contradição.
- Como é que se evitam os exageros da dúvida? - perguntou a Madalena
- Aí entra o espírito crítico. Filosofar é uma actividade radical mas sustentada racionalmente. Temos que ser exigentes em relação aos outros mas principalmente em relação a nós próprios. Ninguém se lança nas profundidades do pensamento sem apoios, sem se alicerçar num conjunto de regras básicas que sustentam a coerência do próprio pensamento.
- Há regras do pensamento? - admirou-se o Rogério
- O pensamento é livre mas não pode ser caótico, selvagem, sob risco de ser incompreensível. Não basta pensar; é preciso pensar bem e conseguir transmitir esse pensamento de forma a que possa ser avaliado e compreendido.
- Então, o filósofo tem que pensar radicalmente mas com regras? - tentou resumir o Jerónimo
- Esse será um tema para uma próxima aula.

sábado, 31 de outubro de 2009

Sócrates

Porque é que é inevitável, ao falarmos da Filosofia, apresentarmos o exemplo de Sócrates? Porque ele representa bem a incomodidade da Filosofia. Chamavam-lhe "o moscardo" porque ele era inoportuno, colocava questões impertinentes aos que se afirmavam como sábios, acabava por mostrar que a sabedoria deles era apenas aparente, uma mistificação de charlatães. Sócrates utilizava a ironia para combater o pedantismo intelectual daqueles que julgavam que sabiam tudo. Sócrates recusava-se a ser o mestre, o sábio, o fornecedor de soluções e, em contraposição, ajudava os outros a pensar na sua função de parteiro. Sócrates é o exemplo de quem não abdica das suas ideias e, perante a ameaça dos múltiplos inimigos, mantém a serenidade de espírito.
É pois inevitável falar de Sócrates. No entanto não vamos incensá-lo, transformá-lo numa estátua dourada. Tratemo-lo da mesma forma que ele tratava os outros, com respeito e ironia, de maneira a não o converter num mestre infalível. Sócrates merece que aprendamos com ele a pensar critica e livremente.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A Filosofia é um saber interrogativo porque as questões são mais importantes do que as respostas.
A Filosofia é inquietação, é, como dizia Karl Jaspers, "estar a caminho" sem confundir as eventuais pousadas de repouso com o fim do caminho.
A Filosofia é incómoda porque não se satisfaz com o consolo das soluções milagrosas e tudo questiona sem limites nem preconceitos.
A Filosofia é um profundo exercício racional que não se compadece com a superficialidade das ideias inspiradas mas que se recusa a transformar-se num ´passatempo estéril divorciado da vida e dos seus problemas.
A Filosofia é diálogo e tolerância mas nem o diálogo tem que significar concordância obrigatória nem a tolerância pode descambar numa espécie de amoralismo em que vale tudo e em que os valores são todos equiparados.
A Filosofia é um desafio a nós próprios, à nossa capacidade de pensar radical e livremente, pensar a sério acreditando que quanto melhor pensarmos melhor poderemos viver.
A Filosofia é...
O que é para si a Filosofia?

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

- Como é que se aprende Filosofia? – perguntou a Madalena”.
- A Filosofia não se aprende. – respondeu prontamente o professor – Só se aprende a filosofar.
- O stor é que nos come a cabeça – desabafou o Rogério.
- Explique lá isso – pediu o Jerónimo.
- Poder-se-ia ensinar Filosofia se houvesse só uma Filosofia.
- E não há? – perguntou o André.
- Há muitas filosofias, quase tantas quantos os filósofos.
- Isso é muito complicado – queixou-se o Rogério.
- A Filosofia não é um saber de unanimidades, ela faz-se através da discussão, do confronto de ideias.
- E então, o diálogo? – perguntou a Madalena
- O diálogo não exclui as discordâncias, o diálogo, sendo sempre a procura da concordância, não tem obrigatoriamente que nos fazer chegar a uma conclusão unânime.
- Voltemos ao assunto – pediu a Madalena – Se não se pode aprender Filosofia então o que é que estamos aqui a fazer?
- Boa pergunta – admitiu o professor – A resposta não é fácil. A Filosofia é mais do que um conjunto de pensamentos sistematizados, ela é um desafio para que cada um de nós construa os seus próprios pensamentos.
- O que é que isso significa? – perguntou o Jerónimo
- Significa que a Filosofia nos pode ensinar a pensar com maior rigor, com maior profundidade. Ao estudar os pensamentos dos filósofos podemos aproveitar para treinar as nossas próprias capacidades.
- Podemos discordar das opiniões dos filósofos? – espantou-se o Rogério
- Desde que fundamentemos devidamente essas discordâncias – observou o professor – Mas para isso temos que compreender verdadeiramente aquilo que os filósofos disseram e porque o disseram. Não é legítimo criticar aquilo que conhecemos vagamente ou, pior do que isso, que desconhecemos totalmente.
- Isso quer dizer que temos que conhecer aquilo que os filósofos disseram mas não para os imitar ou concordar com eles – tentou resumir a Madalena
- O essencial é desenvolvermos a nossa capacidade de pensar. O essencial é aprendermos a pensar com maior rigor e liberdade – concluiu o professor – Cada pensamento nosso ou dos outros deve ser examinado com atenção, esmiuçado para se avaliar a sua congruência.
- A sua quê? – perguntou o André
- A sua consistência lógica, a sua coerência – explicou o professor
- Onde é que o stor vai buscar essas palavras difíceis?
- É preciso também conhecer o sentido dessas palavras difíceis se queremos entender as mensagens dos filósofos. Eles normalmente não utilizam a linguagem que vocês usam no vosso quotidiano.
- O stor quer que andemos com um dicionário?
- Se o objectivo for compreender as ideias de alguém, é necessário que nada fique por descodificar. Uma palavra mal compreendida ou até mesmo ignorada pode implicar que o sentido profundo do texto se torne inacessível.
- O que é que é preciso mais para filosofar? – perguntou a Madalena
- Ter espírito aberto e crítico. Mas isso é assunto para outra conversa – rematou o professor
Questões do senso comum: particulares com respostas tradicionais ou baseadas nos sentidos.
Questões científicas: universais com respostas assentes na verificação experimental ou em informações que as confirmem.
Questões filosóficas: universais e abertas com respostas justificadas racionalmente

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Numa aula virtual, depois de alguma hesitação, um aluno perguntou ao professor: “mas afinal o que é a Filosofia?”. Até esse momento, as aulas, nove ao todo, tinham decorrido normalmente, com o professor a cumprir a sua tarefa e os alunos a tentarem registar nos seus cadernos as palavras difíceis que o professor debitava num ritmo alucinante. Fez-se um silêncio. Os bons alunos temeram que ao professor lhe desse um ataque de fúria. Depois, freneticamente, o Jerónimo, procurou nos seus apontamentos e disse: “A Filosofia é a arte de despertar”. “O quê? – espantou-se a Madalena – a Filosofia é um despertador?”. “De certa maneira – ponderou o professor – os filósofos sempre foram os despertadores entre os homens adormecidos.”. Essa afirmação inquietou a Madalena: “Então os homens estão adormecidos e só os filósofos é que estão acordados?”.”Lembram-se da Alegoria da Caverna de Platão que vos contei numa das primeiras aulas? – perguntou o professor. O Jerónimo preparava-se para repetir palavra por palavra aquilo que o professor tinha contado mas foi interrompido. “Na maior parte das vezes estamos adormecidos nas nossas certezas, nos nossos hábitos, nos nossos longos sonos repousados a que chamamos quotidiano.”. ”Isso é próprio do senso comum – não pode evitar Jerónimo de dizer”. “Isso é próprio de quem tem preguiça de pensar e prefere aceitar o que lhe dizem – completou o professor”. A Madalena não estava ainda satisfeita: “então, stor, a Filosofia obriga-nos a pensar?”. “Essa é uma das suas funções: desafiar-nos a pensarmos pelas nossas próprias cabeças, a correr riscos, a abandonar a seguranças das ideias cómodas e habituais.”. Entretanto a campainha tocou. “Na próxima aula continuaremos a dar resposta à questão – prometeu o professor”.

sábado, 17 de outubro de 2009


Caracterizar a filosofia, mais do que enunciar um conjunto de elementos, significa destacar aquilo que distingue a filosofia de outros saberes e constitui a sua especificidade.
Com as ciências, a filosofia partilha a racionalidade, o rigor, a exigência, a recusa da imediaticidade e a desconfiança em relação às primeiras impressões e aos sentidos brutos. Tal como o saber científico, a filosofia defende a investigação meticulosa, o trabalho em profundidade e rejeita a preguiça daqueles que julgam que pensar é um acto automático, espontâneo, algo que nos acontece e de que somos apenas os receptáculos.
A filosofia é autónoma porque não depende de nenhum outro saber. Os seus pressupostos não são impostos do exterior e por isso podem ser eles próprios questionados. Autonomia significa também, como insistia Kant, em pensar pela sua própria cabeça, sem tutores ou mestres que nos dominam as vontades e nos escravizam a pensamentos estandartizados.
A filosofia é histórica porque nenhum saber tal como nenhum homem pode ser alheio às suas circunstâncias. Imaginar que alguém possa pensar totalmente fora do seu tempo e da sua época é imaginar o filósofo como uma espécie de semi-deus a pairar acima dos outros homens. No entanto, se o saber filosófico é histórico isso não significa que ele possa ser ultrapassado ou ficar cristalizado no tempo. O saber filosófico é fundamentalmente um saber preocupado com o futuro e que, sem ignorar o passado nem o presente, pretende ajudar os homens a projectar-se em direcção à esperança.
A filosofia é universal porque é um saber de todos e para todos e tem como objecto de estudo o real na sua globalidade. Recordemos que as ciências têm também como característica a universalidade, mas no caso das ciências ela significa que as respostas dadas são válidas para todos, pelo menos num determinado período de tempo. Não podemos esperar da filosofia os consensos que existem entre os cientistas. Isso faz parte da especificidade da filosofia e transforma-a num saber incómodo que é capaz de fazer da incerteza e da plausibilidade um dinamizador da procura intelectual.
A filosofia é radical. Isto não significa que possamos esperar ver os filósofos a surfar ou a praticar outros desportos radicais. Também não significa que politicamente os filósofos tenham que ser revolucionários. A filosofia é radical porque não se limita a abordar superficialmente os assuntos mas investiga-os em profundidade. Ser radical é também não impor limites ao pensamento, não ter tabus ou sinais de proibição que nos impedem de questionar determinados assuntos delicados. Ser radical é não ser prisioneiro das conveniências e não nos acomodarmos a pensar apenas aquilo que, em certas circunstâncias, pode e deve ser pensado. A radicalidade é a marca que distingue a filosofia dos outros saberes, o elemento que denota a insatisfação permanente do filósofo, a sua ânsia permanente em saber mais e em quebrar todas as barreiras que queiram impor ao pensamento. A radicalidade mostra bem porque razão a filosofia só se pode fazer em liberdade.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Filosofar é:
· aprender a olhar e a ver – reorientar o nosso olhar e procurar novas facetas da realidade, alargando os nossos horizontes. Normalmente olhamos e não vemos porque a imediaticidade das coisas cega-nos e impede-nos de ver as coisas em profundidade. É preciso reaprendermos a olhar e principalmente a ver, sem névoas ou nevoeiros, sem preconceitos.
· uma libertação do pseudo-saber e da pseudo-realidade em que nos encontramos mergulhados e a que nos acomodamos. Estamos normalmente prisioneiros do saber que adquirimos, que absorvemos sem disso termos consciência. Usando o nosso espírito crítico, é necessário examinar tudo aquilo em que até agora aceitamos passivamente.
· uma arte de interrogação que, graças ao pensar autónomo, procura vencer o peso das doutrinas passivamente recebidas. O combate ao dogmatismo, às verdades inquestionáveis continua a ser um combate que é preciso travar agora e sempre em nome da tolerância e da liberdade de pensamento.
· uma busca de orientação para a existência, isto é, a tentativa de definição de um projecto para a nossa vida baseado na razão. Há que procurar o sentido das coisas mas também descobrir o sentido de nós mesmos.
· uma busca de construção de si – autonomia e liberdade através do saber, ou seja, uma conjugação de conhecimento e de exigência ética relativamente a nós próprios que nos permite definir o que queremos ser.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O senso comum e a filosofia

O senso comum tem o peso da tradição, que o transforma num saber de repetição e de hábitos e tem a fatalidade de estar prisioneiro das primeiras impressões, das aparências, da falibilidade dos sentidos. O senso comum é, fundamentalmente, superficial, sensitivo e sensorial, subjectivo, assistemático, acrítico. O senso comum, embora tenha a vantagem de ser utilitário e permitir-nos resolver os problemas do quotidiano, torna-se pernicioso quando se assume como uma visão do mundo devido à falta de espírito crítico e à sua submissão às aparências ilusórias.
A filosofia opõe-se à superficilialidade do senso comum substituindo-a pela radicalidade, pela investigação em profundidade, recusando as primeiras impressões, as visões superficiais, as evidências demasiado imediatas.
A filosofia opõe-se à crença nos sentidos e às visões emocionadas e emocionais através da reflexão e do uso crítico da razão que supera os erros dos sentidos e as impressões emocionais.
A filosofia opõe-se ao subjectivismo egotista daqueles que fazem girar o mundo em volta de si mesmos e, afirmando que o pensar deve ser pessoal, insiste na importância do diálogo e na possibilidade de construir um saber partilhado.
A filosofia opõe-se ao anarquismo daqueles que acreditam que se pode pensar no caos e através do caos, desordenadamente, sem método, espontaneamente e propõe a substituição desse anarquismo intelectual por um esforço de sistematização e de rigor propícios à partilha de ideias e à sua fundamentação. A filosofia opõe-se à ausência de espírito crítico, à passividade, à preguiça intelectual, à predisposição para aceitar os argumentos da autoridade, afirmando o inconformismo, o direito à divergência e utilizando a dúvida, a ironia e a reflexão crítica como poderosas armas para derrubar os dogmatismos.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Origem da filosofia
A filosofia antiga nasceu de uma necessidade em explicar o mundo com explicações reais, sem buscar explicação no mitológico, no incompreensível; derrubando assim o mito para introduzir uma nova forma de analisar e compreender o mundo e seus fenómenos. O primeiro filósofo foi Tales de Mileto. Originalmente, todas as áreas que hoje denominamos ciências faziam parte da Filosofia: expressão, no mundo grego, de um conjunto de saber nascido em decorrência de uma atitude. E, de facto, tanto Platão, no Fédon, quanto Aristóteles, na Metafísica, puseram na atitude admirativa, no admirar tò thaumázein, e também no páthos ("um tipo de afectação, que pode ser definido como um estranhamento"), a archê da Filosofia. "No Teeteto, Sócrates diz a Teodoro que o filósofo tem um páthos, ou seja, uma paixão ou sensibilidade que lhe é própria: a capacidade de admirar ou de se deixar afectar por coisas ou acontecimentos que se dão à sua volta". O thaumázein, assim como o páthos, têm a ver com "um bom ânimo ou boa disposição (...) que levou certos indivíduos a deixar ocupações do quotidiano para se dedicar a algo extraordinário, a produção do saber: uma actividade incomum, em geral pouco lucrativa, e que sequer os tornava moralmente melhores que os outros".
WIKIPEDIA

domingo, 6 de setembro de 2009

Criei duas páginas pessoais dedicadas à filosofia que estão ainda em construção. Uma delas é directamente orientada para os alunos de 10º e 11º anos. A primeira chama-se Filosofia Sem Complicações e a segunda Filosofia Aberta

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Sendo eu um fervoroso adepto da leitura poderia com facilidade indicar uma extensa lista de livros imprescindiveis que me marcaram. Quero no entanto destacar "O Principezinho" de Saint-Exupery. Não me recordo de o ter lido na minha juventude e, quando o fiz, já adulto, recuperei a criança que havia em mim e que, de vez em quando, ainda sinto existir. É muito vulgar classificar "O Principezinho" como um livro infanto-juvenil e aconselhá-lo a adolescentes que andam à procura de si mesmos. "O Principezinho" não é um romance nem um ensaio; quando muito um devaneio, um exercício de imaginação, uma viagem ao mundo do sonho e da infância. "O Principezinho" é uma fábula carregada de moral. Pessoalmente não estou preocupado em enquadrar o livro em qualquer uma das classificações usualmente utilizada. Um livro, qualquer livro, vale para mim pelo seu contéudo, pela sua mensagem, pela forma como está escrito e pela sua capacidade de me fazer pensar, viver vidas diferentes ou sonhar. Com os livros aprende-se, viaja-se, é-se de muitas maneiras. " O Principezinho" é um livro sobre emoções e escrito com emoção por alguém que não se envergonhava dos seus sentimentos e não se escondia sob a capa da racionalidade. O homem é um animal racional, como dizia Aristóteles, mas a racionalidade não pode amordaçar as emoções e sufocar a criança dentro de nós, condenando-a a viver prisioneira das regras e das aparências disfarçadas em bons costumes. Com "O Principezinho" ficamos a saber que a realidade cinzenta que nos circunda e na qual estamos atolados não é a única realidade e que o mais importante é encontrar verdadeiros amigos, cativar e ser cativados.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Dizem insistentemente que a filosofia é difícil e complicada, dizem-no até à exaustão, até converterem essa crença num dogma irrecusável. A mesma afirmação repetida mecanicamente vezes sem conta, sem argumentos, não é mais verdadeira do que qualquer outra. As crenças, por serem partilhadas por muitos, não se transformam em evidências científicas.
Não interessa saber quem são aqueles que, de forma tão insistente, persistem em combater a filosofia;o que interessa é analisar os seus argumentos quando por acaso se conseguem detectar alguns.
A filosofia é complicada porque é demasiado teórica e dizem isso como se a palavra teoria encerrasse uma espécie de anátema, uma ameaça à felicidade dos homens. As teorias são construções do pensamento e não se querem frágeis. Pensar implica esforço mas é uma actividade que está implicada na nossa própria auto-realização. Os pensamentos e as teorias não estão por isso desligados da vida mas enraízam-se nela. O homem é um ser pensante, construtor de teorias porque é um ser consciente que se justifica pela consciência que tem das coisas e de si mesmo. Quando se afirma que pode haver demasiada teoria querer-se-á dizer que há limites para o pensamento, maneiras de regular o excesso e compensar o defeito? Pensar "qb" será suficiente? Mas quando a ambição é apenas o suficiente sabemos que não passaremos da mediocridade.
A filosofia é complicada porque é abstracta e mais uma vez a palavra abstracção é atirada como uma acusação terrível. A abstracção opõe-se à realidade e é sinónimo de ficção? As grandes teorias científicas como a teoria da relatividade de Einstein foram produto da abstracção. teremos por isso que as relegar para o mundo da fantasia? Aquilo a que muitos chamam realidade não é mais do que a força do hábito, uma ficção que partilhamos com os que vivem o mesmo quotidiano cinzento das sensações programadas. A abstracção é ruptura com a superficialidade das imagens que captamos ingenuamente. O pensamento abstracto é aquele que resolutamente se afasta do concreto quando o concreto é limite, barreira, prisão para o pensamento.
A filosofia é complicada porque está em perpétua reconstrução e o filósofo é o pensador inquieto que não cessa de se interrogar. A inquietação é salutar na adolescência, é até imagem de marca mas é prejudicial na idade adulta e afirmam isto como se os adultos estivessem condenados a serem tristemente sérios, cheios de certezas. Ter dúvidas é sinal de menoridade e mesmo quando as temos devemos enterrá-las bem fundo e colocar por cima as lápides das certezas compartilhadas. Pior do que a afirmação da dúvida é a controvérsia, a polémica e por uma questão de boas maneiras devemos evitá-la, dar razão àquele que ostenta o sinal da autoridade. Como é que podemos lidar com tantas teorias contraditórias sobre os mesmos temas? A tarefa de escolher caminhos não deveria ser apenas para os guias, os pastores de almas? Não será mais cómodo deixar de pensar e acomodar-mo-nos ao nosso papel confortável de membros submissos de rebanhos dóceis?
É que a filosofia realmente é complicada e exige que cada um de nós se assuma como alguém capaz de se dar a si mesmo um destino construído com sonhos, ideias e principalmente vontades.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Não defendo a simplificação da filosofia, a sua redução a um pensamento esquematizado, cómodo, apropriado para qualquer situação. Penso, porém, que a filosofia pode e deve ser divulgada de modo a deixar de ser elitista, veículo intelectual e brinquedo que pertence a minorias que se julgam iluminadas. A filosofia não é, não tem que ser, um saber fossilizado, prisioneiro do passado e de fórmulas repetitivas. Respeitem-se os filósofos clássicos mas não os tratem como se fossem ídolos inatacáveis. Por serem antigos e clássicos são um óptimo alvo para exercermos neles o nosso espírito crítico. Não se filosofa pensando como Kant ou Descartes ou Hegel ou qualquer outro. Quando muito filosofa-se pensando com eles e a partir deles, entrecruzando perspectivas, não omitindo os argumentos menos conseguidos e as ideias armadilhadas. Não devemos sequer ter receio de pensar contra algum grande filósofo quando nele encontrarmos ideias e argumentos com os quais discordamos. Em filosofia nada é sagrado a não ser o respeito pela coerência e a insistência em pensar com liberdade, rigor e radicalidade.
Continuo a afirmar que a filosofia é indispensável mas reconheço que se pode perfeitamente passar sem ela, principalmente se o objectivo for deixar que as coisas aconteçam. É verdade que nem todos os homens podem ser filósofos mas defendo que é uma clara exigência da consciência tornar a filosofia acessível a todos, dando-lhes a possibilidade de exercerem a sua racionalidade crítica.

domingo, 24 de maio de 2009

"Para que serve a filosofia?" perguntam aqueles que querem acabar com ela ignorando que estão a colocar uma questão filosófica e que,para lhe responderem, terão que filosofar, bem ou mal, com rigor ou canhestramente.
Claro que nem todas as perguntas são filosóficas. São-o certamente aquelas que nos põem em causa ou põem em causa "a ordem natural das coisas". São-o também aquelas que se prendem com a procura do sentido porque nos obrigam a abandonar o conformismo e a ideia de que o sentido das coisas é simples e está nas próprias coisas como se fosse um rótulo ou um certificado de origem.
"Para que serve a filosofia?" é pois uma boa pergunta a que devemos tentar responder sem preconceitos, sem frases feitas, pensando pela nossa cabeça, esforçando-nos por encontrar uma resposta coerente que nos satisfaça e nos justifique enquanto homens de pensamento livre e ousado.

A questão do sentido da existência

Vivemos, sofremos, existimos, experienciamos momentos de fugaz prazer interpolados com momentos de pânico total e no fim de tudo morremos. Porquê? Para quê? Que mistério terrível há nisto a que chamamos vida e que muitas vezes não passa da imitação de uma qualquer felicidade prometida mas nunca alcançada? Será obsessão humana a procura de um sentido para as coisas e principalmente para nós mesmos ou apenas um passatempo de quem exige que haja respostas até para as questões mais impossíveis? Pensamos que tudo gira à nossa volta e que somos o umbigo do universo mas acabamos por nos dar conta de que somos dispensáveis como se fossemos um objecto valioso que é substituído por outro com mais utilidade. Não será melhor deixar de pensar e deixar que as coisas nos aconteçam? Não será mais fácil acreditar que somos aquilo que o destino quer que sejamos, as eternas crianças nas mãos de divindades inomináveis?
A questão do sentido da existência, essa procura por algo que nos justifica aos nossos próprios olhos parece ser uma tarefa própria do domínio religioso e bastar-nos-ia escolher entre as várias "receitas" aquela que mais se ajusta às nossas preferências. Porém nem só o homem religioso se preocupa em dar um sentido à sua vida. Todos os homens necessitam de encontrar o sentido da sua existência sob pena de se assemelharem a autómatos, envolucros ocos, casulos sem conteúdo.
A questão do sentido da existência é uma das questões centrais da filosofia e prende-se com o enigma da esfinge : "quem sou eu?". A resposta que dermos a qualquer uma dessas questões condiciona o que somos e o que queremos ser.