segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Dizem que somos filhos do destino
e portanto devemos aceitar o fatalismo
como fazendo parte da nossa natureza
mas se não podemos escolher o que nos acontece
podemos ainda assim escolher quem queremos ser.
Livres não somos de raiz porque condicionados
mas conquistamos a liberdade possível à força da vontade,
lutando contre ventos e marés, contra os profetas da desgraça
e todos os que nos querem dóceis e controláveis.
Livres podemos ser porque inquietos,
inconformados, rebeldes, grávidos de esperança.
Somos herança mas também somos construção,
arquitetos da nossa própria vida.
Temos a morte como limite inevitável
mas conseguimos ultrapassá-la através da memória.
Aceitar o destino é ficar quieto
e esperar que tudo nos aconteça.
A liberdade faz-se caminhando
e é o caminho que dá sentido à nossa vida.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Porventura poucos serão os que se deixam cativar pela filosofia tal como são muitos aqueles que, ao encontrar a raposa do Principezinho, se apressam a ver nela o reflexo dos seus preconceitos. Estamos normalmente couraçados, impenetráveis a qualquer fascínio exterior que venha interromper o nosso marasmo. As nossas evidências são as nossas muralhas confortáveis, os nossos pequenos mundos reduzem-nos à pequenez dos nossos quotidianos. Preferimos os pensamentos sedentários, encaixotados, devidamente arquivados e assustam-nos os abismos e as profundidades. A filosofia surge-nos como a ameaça da esfinge, interpela-nos, desafia-nos, estilhaça as nossas crenças e obriga-nos a tomar consciência de nós mesmos. A filosofia incomoda-nos, obriga-nos a reflectir, a confrontar ideias, a aprofundar e fundamentar as nossas opiniões. A filosofia impede-nos de nos escondermos nos nevoeiros das opiniões do senso comum, partilhadas por muitos e descartáveis porque sensíveis às mudanças dos tempos e das modas. A filosofia exige que nos tomemos a sério e que façamos da nossa vida um projecto em construção, um projecto com sentido e viabilidade.
Para aqueles que acreditam que viver é deixarmo-nos ir na corrente, a filosofia é desnecessária, luxo intelectual, perda de tempo. Para aqueles que confundem ser com parecer e se deixam moldar de acordo com as conveniências, suas e dos outros, a filosofia é a voz da consciência que é preciso silenciar. Para aqueles que preferem as respostas totalitárias, consoladoras, a filosofia é altamente subversiva, revolucionária, conspirativa porque mina os alicerces da autoridade e desafia cada homem a assumir a sua liberdade de pensamento.
Por tudo isto poucos serão os que se deixam cativar pela filosofia. A própria filosofia contribuiu para esse estado de coisas ao distanciar-se da vida real dos homens enclausurando-se nas universidades e em círculos restritos de eruditos. O discurso filosófico tornou-se hermético, transformou-se numa cadeia de raciocínios especiosos quase impenetráveis. A filosofia ganhou teias de aranha, identificou-se com uma antiguidade que se preserva num armário recôndito. O discurso filosófico anquilosou-se, cobriu-se com a patine do tempo e privilegiou as palavras menos utilizadas e os conceitos mais complexos.
Porém, actualmente, a situação modificou-se. A filosofia dá mostras de querer sair da sua caverna e chegar a todos sem se descaracterizar, sem se transformar numa forma qualquer de saber popular. Sem perder a seriedade, a filosofia redescobriu o poder da provocação, da ironia, transformando a incomodidade da interrogação numa arma que conduz à reflexão crítica, à fundamentação criteriosa das ideias.
Continuarão a ser poucos os que se deixam cativar pela filosofia porque as ideias feitas, os preconceitos custam a desaparecer e é mais cómodo persistir na ideia de que a filosofia é assunto demasiado complicado, saber alheado da realidade, quase que místico, quase que fóssil. Num mundo de saberes encaixotados e de ideias prontas a serem consumidas, a filosofia mantém a sua incomodidade e a sua diferença. E no fundo é essa incomodidade e essa diferença que podem atrair os jovens, os de idade e os de espírito, para a filosofia.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

- Stor - afirmou o Pedro - sempre ouvi dizer que os gostos não se discutem. Se os valores são gostos não há qualquer interesse em discuti-los.
- Também é verdade que se diz que a voz do povo é a voz de Deus - interpôs o professor - Mas mesmo assim questionamos o senso comum.
- Por isso é que os filósofos são esquisitos - adiantou-se o Pedro - Têm a mania de questionar tudo. Os filósofos não acreditam em nada. Para eles há sempre que encontrar explicações racionais.
- Os filósofos são de facto esquisitos, como dizes - confirmou o professor - mas é essa peculiaridade que os impede de adormecerem nas verdades feitas, nas crenças injustificadas que levam à intolerância. A sabedoria popular deve ser examinada. Muito dela pode ser aproveitado mas temos que saber pensar pela nossa cabeça e não pela cabeça dos outros, mesmo que eles sejam mais velhos e presumivelmente mais experientes.
- Voltando aos valores - interrompeu a Madalena - Eles são ou não gostos?
- Há quem os confunda com gostos e por isso os torne tão voláteis.
- Tão quê? - perguntou o André
- Tão mutáveis e transitórios.
-Poderia falar em português? - pediu o André
- Se os valores são gostos eles são individuais e inexplicáveis; cada um tem os seus e mesmo aqueles que temos podem alterar-se com o tempo e até desaparecer. Para os que identificam os valores com gostos nós damos valor às coisas porque gostamos delas.
- Isso parece-me ser evidente - comentou a Madalena
- Ou será que gostamos das coisas porque elas têm valor? - perguntou o professor
- Com essa é que me deu a volta à cabeça - afirmou o Pedro - Quer o stor dizer que os gostos são determinados pelos valores que temos?
- Os valores são qualidades que atribuímos às coisas e que estão na base das nossas preferências.
- Parece-me que essa posição é mais razoável - afirmou a Madalena - Podemos partilhar valores e eles são demasiado fundamentais para serem identificados com meros gostos efémeros.
- Se os valores não são gostos nem desejos, então o que é que eles são? - perguntou o Pedro
- Há quem defenda que eles têm uma existência própria. Os valores são independentes dos homens e das coisas ou situações às quais são atribuídos.
- Os valores têm corpo? - ironizou o Pedro - Ao menos que seja o da Angelina Jolie.
- Os valores não são coisas; a sua existência é como a das ideias platónicas. Recordam-se da "Alegoria da Caverna"?
- Então os valores são ideais? - perguntou a Madalena
- Sim, mas não são criações dos homens pois são anteriores a eles e subsistem mesmo quando os homens não os queiram reconhecer.
- Mas os valores são individuais - protestou o Pedro - Cada um tem os seus.
- Essa posição é defendida pelos subjectivistas. Para eles os valores são criações do homem. Não há valores universais e é absurdo pensar que os valores sejam independentes dos sujeitos. Valorar significa criar valores e isso é um atributo especificamente humano que implica liberdade.
- Se os valores forem criações individuais então voltamos ao início: porquê discuti-los se, para cada um, os valores são aquilo que ele cria? - intrometeu-se a Madalena - Aquilo que vale para mim pode ser totalmente desprezado pelos outros. Como é que se validam os valores?
- Para fugir a esse subjectivismo extremo há quem defenda que a construção dos valores não é individual mas sim colectiva e cultural; cada cultura cria ou adopta os seus valores. Se os valores são culturais então todos aqueles que fazem parte da mesma comunidade partilham basicamente dos mesmos valores e podem entender-se.
- Mas afinal os valores são objectivos ou subjectivos? - perguntou o Jeremias que tinha estado a acompanhar a aula pelo manual
- Essa questão só pode ser respondida através da apresentação das várias respostas possíveis e da sua justificação. É precisamente essa a essência do exercício filosófico: confrontar diferentes perspectivas, examiná-las, discuti-las, formar a nossa própria opinião.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Entre o que nos acontece, o que fazemos e o que somos há um caminho a percorrer, um caminho que terá o nosso nome, um caminho povoado de vivências e memórias. A nossa história. Seremos nós capazes de assumi-la? Seremos nós capazes de olhar as nossas próprias sombras, reconhecer os nossos erros, recuperar a esperança depois dos contratempos e das desilusões profundas? Há sempre muitas desculpas para justificar as más escolhas mas que desculpas existem para explicar o que não fizemos, o ter ficado à espera, o ter deixado que tudo à nossa volta fosse acontecendo numa inevitabilidade insuportável? Mesmo quando nada fazemos podemos estar a agir. Escolher não agir é uma forma de se escolher e isso implica consequências. Tudo tem consequências e é impossível fugirmos a elas ou aceitar só as que nos são favoráveis. Se queremos ser livres temos que ser responsáveis e, mesmo que escolhemos abdicar da liberdade, mesmo assim vão exigir de nós responsabilidades. Por isso é preferível assumirmos como verdadeiramente nossos aqueles actos que foram da nossa autoria e não nos limitarmos, tal como as crianças, a sermos confrontados com todo um conjunto de coisas que dizem que fomos nós que as fizemos.Viver a vida com intencionalidade é sempre melhor do que ir vivendo a acaso, ao sabor dos ventos. Assumir a liberdade possível é melhor do que ser escravo de um destino inexorável que transforma a nossa vida num ininterrupto acontecimento.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O homem é um ser condicionado. Desde muito cedo, aprendemos que não podemos fazer tudo o que queremos. Essa consciência, por vezes bem pesada, não anula porém a liberdade, mas complica-a, obrigando-nos a pensar o homem como um ser situado e em circunstância e não como um ser abstracto, possuidor de dons e características inatos. A nossa liberdade de escolha não é ilimitada mas, por mais ínfima que seja, ela existe a não ser que abdiquemos dela e deixemos placidamente que outros escolham por nós. A liberdade humana é sempre a possível e nunca a desejável. A liberdade implica capacidade de autodeterminação, de autonomia, a liberdade constrói-se à nossa medida e à medida das nossas possibilidades. O que importa não é o que nos acontece mas aquilo que fazemos com o que nos acontece. É isso que faz a nossa diferença em relação aos outros animais. É esse o sinal da nossa liberdade, da necessidade de construirmos o nosso próprio destino.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

- Voltando ao tema em análise: a acção exige um agente, aquele que assume os seus actos e que não é apenas um actor mas autor deles e consequentemente de si mesmo.
- Será que a nossa vida não foi escrita por alguém e nós apenas nos limitamos a representá-la? - interrompeu a Madalena
- Sei que não acreditas na liberdade e que preferes assumir uma atitude fatalista mas é possível assumirmos o nosso próprio destino começando por assumir os nossos actos, desejando-os, querendo-os, premeditando-os, escolhendo-os.
- O que é que o desejo tem a ver com a acção? perguntou o Jerónimo
- O homem é um ser de sonhos e de desejos. Tudo isso está presente nos nossos projectos e são eles que estão na base das nossas acções.
- Sonhar não basta - comentou a Madalena
- É preciso acrescentar a vontade ao sonho. Para que a acção passe da fase de projecto à execução é necessário ter força de vontade. Depois de delineado o projecto ou os múltiplos projectos que constituem a nossa vida temos que os por em prática, modificando-os se for necessário mas nunca desistindo.
- Por vezes obrigam-nos a desistir - disse a Madalena
- Muitas vezes somos nós que desistimos por preguiça, por comodidade, por fraqueza, porque sonhamos rasteiramente e depois culpamos ou outros pelos nossos falhanços. A vida não é fácil, nunca ninguém disse que o era. Não podemos projectar as coisas e ficar à espera que elas aconteçam, que os outros se afastem e deixem livre o espaço que julgamos que deveria ser o nosso.
- O stor está a dizer que devemos ir em frente contra tudo e contra todos? - perguntou o Rogério
- Não, não estou a fazer a apologia do forçar a situação para além dos limites transformando a nossa vida numa guerra aberta e permanente. Só devemos empenharmo-nos naquelas lutas que podemos e devemos vencer. As nossas grandes armas são a ponderação e o bom senso.
- Temos que pensar antes de fazer qualquer coisa? - perguntou o André - Pensar muito não significa adiar as coisa e a vida?
- Vê-se que estás a ler o Fernando Pessoa - observou o professor - A vida porém não é poesia e somos obrigados a pensar bem em tudo, a escolher entre as várias possibilidades para fazermos aquilo que é correcto e aquilo que é melhor para nós.
- Aquilo que é correcto? - perguntou a Madalena - Como é que sabemos o que é que é correcto?
- Ouvindo a nossa consciência moral. É claro que isso será o tema de uma próxima aula.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

- Hoje, vamos fazer a destrinça entre acontecer, fazer e agir - começou o professor
- Vamos fazer o quê? - perguntou o André
- Vamos distinguir entre acontecer, fazer e agir. Aparentemente, à primeira vista é tudo igual e a maior parte das vezes usamos as palavras fazer e agir como se fossem sinónimos. Porém, "nem tudo o que fazemos é acção.". Esta frase de Jesus Mosterín vai servir-nos de motor de arranque.
- Já cá faltava uma citação para comentarmos - lamentou-se o Rogério
- As citações só são importantes para despertarem os nossos próprios pensamentos. - o professor assumiu a sua pose doutoral - Há coisas que nos acontecem e das quais somos apenas as vítimas. Há coisas que fazemos sem delas termos consciência. Há ainda coisas que fazemos involuntariamente embora possamos ter consciência delas Por fim, há coisas que fazemos conscientemente, voluntariamente e intencionalmente. Só a estas coisas podemos com propriedade chamar acções. Deste modo, só os seres humanos efectuam acções porque agir pressupõe e implica consciência, vontade e liberdade. Qualquer acção é uma interferência no normal decurso das coisas.
- O que é que a liberdade tem a ver com a acção? - perguntou a Madalena
- A liberdade é o busílis da questão
- A liberdade é o quê? - preparou-se o André para escrever mais uma palavra esquisita no seu já repleto caderninho de bolso
- A liberdade é central em tudo isto. É a liberdade que nos distingue dos animais, é ela que está na base da auto-construção de cada homem. Ao agir, ao escolher entre várias possibilidades de acção, o homem escolhe-se e constrói-se.
- Voltemos aos elementos que caracterizam a acção - pediu o Jerónimo
- Falemos então da rede conceptual da acção
- De quê?
- Dos elementos caracterizadores e clarificadores da acção. São eles: o agente, o motivo, a intenção e a decisão que implica deliberação. Uma acção é sempre de alguém que tem razões que explicam aquilo que fez, tem um propósito e ponderou as consequências e as possibilidades. Se algum desses elementos da rede falha estamos perante um simulacro de acção, um acto falhado ou um equívoco.
- Há muitas coisas que fazemos por obrigação - comentou a Madalena
- Há vários tipos de obrigação: há obrigações externas, imposições a que não podemos fugir sob pena de sanções e há obrigações internas, morais que nós mesmos escolhemos e aceitamos. Estas últimas não anulam a liberdade mas estão implicadas nela e introduzem-nos nos domínios da responsabilidade. As acções exigem sempre responsabilidade. É isso que traduz a importância do agente, daquele que assume integralmente os seus actos.
- Gostaria de falar mais da liberdade - disse a Madalena - Não acredito que ela exista a não ser como ilusão Quem é que pode escolher aquilo que quer fazer?
- Essa discussão iremos tê-la numa próxima aula quando falarmos das condicionantes da acção e do determinismo.