sexta-feira, 29 de maio de 2009

Dizem insistentemente que a filosofia é difícil e complicada, dizem-no até à exaustão, até converterem essa crença num dogma irrecusável. A mesma afirmação repetida mecanicamente vezes sem conta, sem argumentos, não é mais verdadeira do que qualquer outra. As crenças, por serem partilhadas por muitos, não se transformam em evidências científicas.
Não interessa saber quem são aqueles que, de forma tão insistente, persistem em combater a filosofia;o que interessa é analisar os seus argumentos quando por acaso se conseguem detectar alguns.
A filosofia é complicada porque é demasiado teórica e dizem isso como se a palavra teoria encerrasse uma espécie de anátema, uma ameaça à felicidade dos homens. As teorias são construções do pensamento e não se querem frágeis. Pensar implica esforço mas é uma actividade que está implicada na nossa própria auto-realização. Os pensamentos e as teorias não estão por isso desligados da vida mas enraízam-se nela. O homem é um ser pensante, construtor de teorias porque é um ser consciente que se justifica pela consciência que tem das coisas e de si mesmo. Quando se afirma que pode haver demasiada teoria querer-se-á dizer que há limites para o pensamento, maneiras de regular o excesso e compensar o defeito? Pensar "qb" será suficiente? Mas quando a ambição é apenas o suficiente sabemos que não passaremos da mediocridade.
A filosofia é complicada porque é abstracta e mais uma vez a palavra abstracção é atirada como uma acusação terrível. A abstracção opõe-se à realidade e é sinónimo de ficção? As grandes teorias científicas como a teoria da relatividade de Einstein foram produto da abstracção. teremos por isso que as relegar para o mundo da fantasia? Aquilo a que muitos chamam realidade não é mais do que a força do hábito, uma ficção que partilhamos com os que vivem o mesmo quotidiano cinzento das sensações programadas. A abstracção é ruptura com a superficialidade das imagens que captamos ingenuamente. O pensamento abstracto é aquele que resolutamente se afasta do concreto quando o concreto é limite, barreira, prisão para o pensamento.
A filosofia é complicada porque está em perpétua reconstrução e o filósofo é o pensador inquieto que não cessa de se interrogar. A inquietação é salutar na adolescência, é até imagem de marca mas é prejudicial na idade adulta e afirmam isto como se os adultos estivessem condenados a serem tristemente sérios, cheios de certezas. Ter dúvidas é sinal de menoridade e mesmo quando as temos devemos enterrá-las bem fundo e colocar por cima as lápides das certezas compartilhadas. Pior do que a afirmação da dúvida é a controvérsia, a polémica e por uma questão de boas maneiras devemos evitá-la, dar razão àquele que ostenta o sinal da autoridade. Como é que podemos lidar com tantas teorias contraditórias sobre os mesmos temas? A tarefa de escolher caminhos não deveria ser apenas para os guias, os pastores de almas? Não será mais cómodo deixar de pensar e acomodar-mo-nos ao nosso papel confortável de membros submissos de rebanhos dóceis?
É que a filosofia realmente é complicada e exige que cada um de nós se assuma como alguém capaz de se dar a si mesmo um destino construído com sonhos, ideias e principalmente vontades.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Não defendo a simplificação da filosofia, a sua redução a um pensamento esquematizado, cómodo, apropriado para qualquer situação. Penso, porém, que a filosofia pode e deve ser divulgada de modo a deixar de ser elitista, veículo intelectual e brinquedo que pertence a minorias que se julgam iluminadas. A filosofia não é, não tem que ser, um saber fossilizado, prisioneiro do passado e de fórmulas repetitivas. Respeitem-se os filósofos clássicos mas não os tratem como se fossem ídolos inatacáveis. Por serem antigos e clássicos são um óptimo alvo para exercermos neles o nosso espírito crítico. Não se filosofa pensando como Kant ou Descartes ou Hegel ou qualquer outro. Quando muito filosofa-se pensando com eles e a partir deles, entrecruzando perspectivas, não omitindo os argumentos menos conseguidos e as ideias armadilhadas. Não devemos sequer ter receio de pensar contra algum grande filósofo quando nele encontrarmos ideias e argumentos com os quais discordamos. Em filosofia nada é sagrado a não ser o respeito pela coerência e a insistência em pensar com liberdade, rigor e radicalidade.
Continuo a afirmar que a filosofia é indispensável mas reconheço que se pode perfeitamente passar sem ela, principalmente se o objectivo for deixar que as coisas aconteçam. É verdade que nem todos os homens podem ser filósofos mas defendo que é uma clara exigência da consciência tornar a filosofia acessível a todos, dando-lhes a possibilidade de exercerem a sua racionalidade crítica.

domingo, 24 de maio de 2009

"Para que serve a filosofia?" perguntam aqueles que querem acabar com ela ignorando que estão a colocar uma questão filosófica e que,para lhe responderem, terão que filosofar, bem ou mal, com rigor ou canhestramente.
Claro que nem todas as perguntas são filosóficas. São-o certamente aquelas que nos põem em causa ou põem em causa "a ordem natural das coisas". São-o também aquelas que se prendem com a procura do sentido porque nos obrigam a abandonar o conformismo e a ideia de que o sentido das coisas é simples e está nas próprias coisas como se fosse um rótulo ou um certificado de origem.
"Para que serve a filosofia?" é pois uma boa pergunta a que devemos tentar responder sem preconceitos, sem frases feitas, pensando pela nossa cabeça, esforçando-nos por encontrar uma resposta coerente que nos satisfaça e nos justifique enquanto homens de pensamento livre e ousado.

A questão do sentido da existência

Vivemos, sofremos, existimos, experienciamos momentos de fugaz prazer interpolados com momentos de pânico total e no fim de tudo morremos. Porquê? Para quê? Que mistério terrível há nisto a que chamamos vida e que muitas vezes não passa da imitação de uma qualquer felicidade prometida mas nunca alcançada? Será obsessão humana a procura de um sentido para as coisas e principalmente para nós mesmos ou apenas um passatempo de quem exige que haja respostas até para as questões mais impossíveis? Pensamos que tudo gira à nossa volta e que somos o umbigo do universo mas acabamos por nos dar conta de que somos dispensáveis como se fossemos um objecto valioso que é substituído por outro com mais utilidade. Não será melhor deixar de pensar e deixar que as coisas nos aconteçam? Não será mais fácil acreditar que somos aquilo que o destino quer que sejamos, as eternas crianças nas mãos de divindades inomináveis?
A questão do sentido da existência, essa procura por algo que nos justifica aos nossos próprios olhos parece ser uma tarefa própria do domínio religioso e bastar-nos-ia escolher entre as várias "receitas" aquela que mais se ajusta às nossas preferências. Porém nem só o homem religioso se preocupa em dar um sentido à sua vida. Todos os homens necessitam de encontrar o sentido da sua existência sob pena de se assemelharem a autómatos, envolucros ocos, casulos sem conteúdo.
A questão do sentido da existência é uma das questões centrais da filosofia e prende-se com o enigma da esfinge : "quem sou eu?". A resposta que dermos a qualquer uma dessas questões condiciona o que somos e o que queremos ser.