Dizem insistentemente que a filosofia é difícil e complicada, dizem-no até à exaustão, até converterem essa crença num dogma irrecusável. A mesma afirmação repetida mecanicamente vezes sem conta, sem argumentos, não é mais verdadeira do que qualquer outra. As crenças, por serem partilhadas por muitos, não se transformam em evidências científicas.
Não interessa saber quem são aqueles que, de forma tão insistente, persistem em combater a filosofia;o que interessa é analisar os seus argumentos quando por acaso se conseguem detectar alguns.
A filosofia é complicada porque é demasiado teórica e dizem isso como se a palavra teoria encerrasse uma espécie de anátema, uma ameaça à felicidade dos homens. As teorias são construções do pensamento e não se querem frágeis. Pensar implica esforço mas é uma actividade que está implicada na nossa própria auto-realização. Os pensamentos e as teorias não estão por isso desligados da vida mas enraízam-se nela. O homem é um ser pensante, construtor de teorias porque é um ser consciente que se justifica pela consciência que tem das coisas e de si mesmo. Quando se afirma que pode haver demasiada teoria querer-se-á dizer que há limites para o pensamento, maneiras de regular o excesso e compensar o defeito? Pensar "qb" será suficiente? Mas quando a ambição é apenas o suficiente sabemos que não passaremos da mediocridade.
A filosofia é complicada porque é abstracta e mais uma vez a palavra abstracção é atirada como uma acusação terrível. A abstracção opõe-se à realidade e é sinónimo de ficção? As grandes teorias científicas como a teoria da relatividade de Einstein foram produto da abstracção. teremos por isso que as relegar para o mundo da fantasia? Aquilo a que muitos chamam realidade não é mais do que a força do hábito, uma ficção que partilhamos com os que vivem o mesmo quotidiano cinzento das sensações programadas. A abstracção é ruptura com a superficialidade das imagens que captamos ingenuamente. O pensamento abstracto é aquele que resolutamente se afasta do concreto quando o concreto é limite, barreira, prisão para o pensamento.
A filosofia é complicada porque está em perpétua reconstrução e o filósofo é o pensador inquieto que não cessa de se interrogar. A inquietação é salutar na adolescência, é até imagem de marca mas é prejudicial na idade adulta e afirmam isto como se os adultos estivessem condenados a serem tristemente sérios, cheios de certezas. Ter dúvidas é sinal de menoridade e mesmo quando as temos devemos enterrá-las bem fundo e colocar por cima as lápides das certezas compartilhadas. Pior do que a afirmação da dúvida é a controvérsia, a polémica e por uma questão de boas maneiras devemos evitá-la, dar razão àquele que ostenta o sinal da autoridade. Como é que podemos lidar com tantas teorias contraditórias sobre os mesmos temas? A tarefa de escolher caminhos não deveria ser apenas para os guias, os pastores de almas? Não será mais cómodo deixar de pensar e acomodar-mo-nos ao nosso papel confortável de membros submissos de rebanhos dóceis?
É que a filosofia realmente é complicada e exige que cada um de nós se assuma como alguém capaz de se dar a si mesmo um destino construído com sonhos, ideias e principalmente vontades.
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