segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A filosofia é muito complicada, difícil e está muitas vezes envolta numa linguagem quase cabalística, quase indecifrável. Será possível descomplicá-la, simplificá-la, sem a reduzir a um conjunto de banalidades? A filosofia provoca a nossa curiosidade mas intimida-nos com a sua rigidez, a sua vetusta idade, as suas intermináveis cadeias de raciocínios, as suas controvérsias, a sua proverbial tendência para racionalizar a vida e teorizá-la. A filosofia assusta-nos com a sua problematização inquietante quando seria mais seguro escolher as respostas fáceis e resolver os assuntos de uma forma simples, a contento de todos.
Penso que a filosofia não tem que ser necessariamente aborrecida, pesada. A filosofia não tem que ser forçosamente um saber académico, demasiado erudito, demasiado livresco, demasiado refém de sistemas de pensamento institucionalizados.
A ideia não é simplificar a filosofia de modo a convertê-la numa espécie de sofistica adequada aos tempos modernos. A linguagem filosófica rigorosa não pode ser substituída pela linguagem vulgar mas podem traduzir-se os conceitos mais importantes se se tiver o cuidado de não os descontextualizar ou desvirtuar. É ainda um trabalho de rigor: conseguir que a filosofia se transmita numa linguagem viva. É um trabalho de precisão que não se compadece com os simplismos, a redução da complexidade a esquemas vazios ou com a transformação dos raciocínios em tortuosos labirintos que nos fazem perder o rumo e o sentido.
Não se trata pois de vulgarizar a filosofia, convertê-la numa filodoxia, num saber de aparências e de fugazes fulgurâncias. Não se trata de tornar a filosofia interessante a todo o custo, retirando-lhe a sua especificidade e reduzindo-a a uma espécie de pensamento castiço, apropriado para impressionar.
A filosofia pode ser complicada, difícil, mas é possível transformá-la num desafio para que todos utilizem o seu espírito crítico e aprendam a ver para além das suas limitadas perspectivas.

sábado, 29 de novembro de 2008

A lógica e a filosofia

A lógica é um importante instrumento da filosofia mas esta não se reduz à lógica e ao domínio da validade. O discurso filosófico tem que ser claro e coerente mas tem que ser mais do que isso. A radicalidade não se faz obviamente à custa das regras da coerência mas a liberdade de pensamento não se pode acorrentar a cânones e a matrizes demasiado rígidas. A filosofia não é demonstração mas diálogo, discussão, polémica.
Os exercícios de lógica constituem um bom treino para o pensamento. A lógica põe à nossa disposição todo um conjunto de equipamentos para pensarmos correctamente. A lógica ensina-nos a evitar a má construção dos raciocínios e a não sermos precipitados e descuidados na conclusão dos nossos argumentos. A lógica serve para corrigirmos os nossos erros e detectarmos os erros dos outros. A lógica é um elemento regulamentador do espírito. Sem regras, sem método, o espírito, a razão, trabalha ao acaso, de forma anárquica e inconsistente e os seus resultados serão sempre instáveis e pouco fiáveis. Não podemos pois deixar de sublinhar a importância da lógica para a filosofia.
A filosofia, enquanto forma específica de saber racional, apoia-se na lógica mas não se reduz a ela. Quando, por qualquer razão, a filosofia pouco mais é do que lógica não passa de um exercício de estilo, estimulante mas estéril. Quando a exigência da validade se sobrepõe a tudo podem construir-se raciocínios formalmente estanques e inexpugnáveis mas o seu conteúdo, por ser relegado para segundo plano, pode transformar o pensamento num exercício circular e vazio que não trás nada de novo. Se as regras e os princípios lógicos são fundamentais para a nossa orientação racional, quando seguidos estritamente sem liberdade crítica, transformam-se em cadeias do pensamento, correntes que não o deixam ultrapassar as fronteiras do já pensado e reflectido.
O raciocínio silogístico, considerado por Aristóteles o modelo de raciocínio, foi justamente criticado a partir do Renascimento pela sua esterilidade gnosiológica. Para além disso não se podem reduzir todos os raciocínios ao padrão das três proposições e três termos.
A filosofia exige que se pense com forma e conteúdo, que se pense radicalmente explorando novos domínios e não ficando limitado por preceitos habituais e preconceitos ainda que muito arreigados.
A filosofia implica controvérsia, discussão, argumentação e não unanimidade, vias únicas de pensamento, conclusões constringentes, aceites obrigatoriamente por todos.
"O pensamento não serve a lógica; serve-se dela" afirmou Edgar Morin. Mesmo para Aristóteles a lógica é apenas um organon, um instrumento da filosofia e não o seu núcleo substancial. A filosofia não pode ser serva de coisa nenhuma porque ela é exercício de liberdade. Impor limites à filosofia, querer que ela seja a muleta de outros saberes, uma espécie de servente dócil que é chamada quando necessário confirmar uma posição ou tornar uma conclusão mais respeitável, é ignorar que a filosofia se faz na crítica e na radicalidade, na ruptura com o pensamento acondicionado e domesticado, o pensamento institucional.
A filosofia não se pode reduzir nem à lógica como ciência do bem pensar nem à retórica como arte de bem falar ou de persuadir embora ambas sejam importantes para a construção do discurso filosófico e para a sua comunicação.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A filosofia é necessária num tempo de intolerâncias e de relativismos. As verdades quando são impostas passam a ser dogmas e impedem-nos de pensar livremente. O relativismo do "é tudo igual" é a porta aberta para o cruzar de braços e o fecharmo-nos nas nossas conchas. A filosofia é diálogo e faz-se no diálogo mas esse diálogo não significa conversa de café ou diálogo de surdos: é imprescindível a discussão, o combate de ideias, a expressão de convicções fortes, a afirmação de princípios que, embora discutíveis, orientam a nossa acção. É preciso dizer não quando a comodidade do silêncio ou o compromisso envergonhado são tentadores, é preciso recusar a passividade, transformar o acto de pensar num claro acto de rebeldia e inconformismo, é preciso fazer do espírito crítico a nossa afirmação de responsabilidade e de cidadania.
Num tempo de ressurgência dos dogmatismos e das várias sofisticas é urgente que a filosofia seja um núcleo de resistência. Por isso reactivo este meu blog adormecido.