sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O homem é um ser condicionado. Desde muito cedo, aprendemos que não podemos fazer tudo o que queremos. Essa consciência, por vezes bem pesada, não anula porém a liberdade, mas complica-a, obrigando-nos a pensar o homem como um ser situado e em circunstância e não como um ser abstracto, possuidor de dons e características inatos. A nossa liberdade de escolha não é ilimitada mas, por mais ínfima que seja, ela existe a não ser que abdiquemos dela e deixemos placidamente que outros escolham por nós. A liberdade humana é sempre a possível e nunca a desejável. A liberdade implica capacidade de autodeterminação, de autonomia, a liberdade constrói-se à nossa medida e à medida das nossas possibilidades. O que importa não é o que nos acontece mas aquilo que fazemos com o que nos acontece. É isso que faz a nossa diferença em relação aos outros animais. É esse o sinal da nossa liberdade, da necessidade de construirmos o nosso próprio destino.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

- Voltando ao tema em análise: a acção exige um agente, aquele que assume os seus actos e que não é apenas um actor mas autor deles e consequentemente de si mesmo.
- Será que a nossa vida não foi escrita por alguém e nós apenas nos limitamos a representá-la? - interrompeu a Madalena
- Sei que não acreditas na liberdade e que preferes assumir uma atitude fatalista mas é possível assumirmos o nosso próprio destino começando por assumir os nossos actos, desejando-os, querendo-os, premeditando-os, escolhendo-os.
- O que é que o desejo tem a ver com a acção? perguntou o Jerónimo
- O homem é um ser de sonhos e de desejos. Tudo isso está presente nos nossos projectos e são eles que estão na base das nossas acções.
- Sonhar não basta - comentou a Madalena
- É preciso acrescentar a vontade ao sonho. Para que a acção passe da fase de projecto à execução é necessário ter força de vontade. Depois de delineado o projecto ou os múltiplos projectos que constituem a nossa vida temos que os por em prática, modificando-os se for necessário mas nunca desistindo.
- Por vezes obrigam-nos a desistir - disse a Madalena
- Muitas vezes somos nós que desistimos por preguiça, por comodidade, por fraqueza, porque sonhamos rasteiramente e depois culpamos ou outros pelos nossos falhanços. A vida não é fácil, nunca ninguém disse que o era. Não podemos projectar as coisas e ficar à espera que elas aconteçam, que os outros se afastem e deixem livre o espaço que julgamos que deveria ser o nosso.
- O stor está a dizer que devemos ir em frente contra tudo e contra todos? - perguntou o Rogério
- Não, não estou a fazer a apologia do forçar a situação para além dos limites transformando a nossa vida numa guerra aberta e permanente. Só devemos empenharmo-nos naquelas lutas que podemos e devemos vencer. As nossas grandes armas são a ponderação e o bom senso.
- Temos que pensar antes de fazer qualquer coisa? - perguntou o André - Pensar muito não significa adiar as coisa e a vida?
- Vê-se que estás a ler o Fernando Pessoa - observou o professor - A vida porém não é poesia e somos obrigados a pensar bem em tudo, a escolher entre as várias possibilidades para fazermos aquilo que é correcto e aquilo que é melhor para nós.
- Aquilo que é correcto? - perguntou a Madalena - Como é que sabemos o que é que é correcto?
- Ouvindo a nossa consciência moral. É claro que isso será o tema de uma próxima aula.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

- Hoje, vamos fazer a destrinça entre acontecer, fazer e agir - começou o professor
- Vamos fazer o quê? - perguntou o André
- Vamos distinguir entre acontecer, fazer e agir. Aparentemente, à primeira vista é tudo igual e a maior parte das vezes usamos as palavras fazer e agir como se fossem sinónimos. Porém, "nem tudo o que fazemos é acção.". Esta frase de Jesus Mosterín vai servir-nos de motor de arranque.
- Já cá faltava uma citação para comentarmos - lamentou-se o Rogério
- As citações só são importantes para despertarem os nossos próprios pensamentos. - o professor assumiu a sua pose doutoral - Há coisas que nos acontecem e das quais somos apenas as vítimas. Há coisas que fazemos sem delas termos consciência. Há ainda coisas que fazemos involuntariamente embora possamos ter consciência delas Por fim, há coisas que fazemos conscientemente, voluntariamente e intencionalmente. Só a estas coisas podemos com propriedade chamar acções. Deste modo, só os seres humanos efectuam acções porque agir pressupõe e implica consciência, vontade e liberdade. Qualquer acção é uma interferência no normal decurso das coisas.
- O que é que a liberdade tem a ver com a acção? - perguntou a Madalena
- A liberdade é o busílis da questão
- A liberdade é o quê? - preparou-se o André para escrever mais uma palavra esquisita no seu já repleto caderninho de bolso
- A liberdade é central em tudo isto. É a liberdade que nos distingue dos animais, é ela que está na base da auto-construção de cada homem. Ao agir, ao escolher entre várias possibilidades de acção, o homem escolhe-se e constrói-se.
- Voltemos aos elementos que caracterizam a acção - pediu o Jerónimo
- Falemos então da rede conceptual da acção
- De quê?
- Dos elementos caracterizadores e clarificadores da acção. São eles: o agente, o motivo, a intenção e a decisão que implica deliberação. Uma acção é sempre de alguém que tem razões que explicam aquilo que fez, tem um propósito e ponderou as consequências e as possibilidades. Se algum desses elementos da rede falha estamos perante um simulacro de acção, um acto falhado ou um equívoco.
- Há muitas coisas que fazemos por obrigação - comentou a Madalena
- Há vários tipos de obrigação: há obrigações externas, imposições a que não podemos fugir sob pena de sanções e há obrigações internas, morais que nós mesmos escolhemos e aceitamos. Estas últimas não anulam a liberdade mas estão implicadas nela e introduzem-nos nos domínios da responsabilidade. As acções exigem sempre responsabilidade. É isso que traduz a importância do agente, daquele que assume integralmente os seus actos.
- Gostaria de falar mais da liberdade - disse a Madalena - Não acredito que ela exista a não ser como ilusão Quem é que pode escolher aquilo que quer fazer?
- Essa discussão iremos tê-la numa próxima aula quando falarmos das condicionantes da acção e do determinismo.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

- O que é um espírito aberto? - perguntou o Jerónimo na sequência de uma aula anterior
- A abertura de espírito implica ser tolerante, respeitar integralmente os outros, mesmo quando os combatemos. Por outro lado, ter abertura de espírito é não estar enclausurado em dogmas, verdades demasiado apertadas que são como que coletes de forças.
- Ter um espírito aberto significa não ter certezas? - perguntou a Madalena
- Claro que não. Ninguém pode viver na incerteza total e permanente. De uma maneira ou de outra funcionamos com crenças e há mesmo quem lhes chame conhecimento. É preciso é não transformar as certezas em fortalezas inexpugnáveis...
- Inexpugquê? - perguntou o André que andava sempre com um caderninho de bolso para apontar as palavras esquisitas que o professor dizia.
- Eu queria dizer inatacáveis.
- Já sabemos a importância da dúvida para a Filosofia - adiantou a Madalena - mas a dúvida excessiva não será prejudicial?
- estás-te a referir ao cepticismo radical - esclareceu o professor- É evidente que duvidar de tudo sistematicamente e indiscriminadamente pode ser contraproducente...
- O quê?
- Pode até ser perigos. Não podemos confundir a abertura de espírito com a contestação pura e simples, a contestação pela contestação, o espírito de contradição.
- Como é que se evitam os exageros da dúvida? - perguntou a Madalena
- Aí entra o espírito crítico. Filosofar é uma actividade radical mas sustentada racionalmente. Temos que ser exigentes em relação aos outros mas principalmente em relação a nós próprios. Ninguém se lança nas profundidades do pensamento sem apoios, sem se alicerçar num conjunto de regras básicas que sustentam a coerência do próprio pensamento.
- Há regras do pensamento? - admirou-se o Rogério
- O pensamento é livre mas não pode ser caótico, selvagem, sob risco de ser incompreensível. Não basta pensar; é preciso pensar bem e conseguir transmitir esse pensamento de forma a que possa ser avaliado e compreendido.
- Então, o filósofo tem que pensar radicalmente mas com regras? - tentou resumir o Jerónimo
- Esse será um tema para uma próxima aula.