sábado, 31 de outubro de 2009

Sócrates

Porque é que é inevitável, ao falarmos da Filosofia, apresentarmos o exemplo de Sócrates? Porque ele representa bem a incomodidade da Filosofia. Chamavam-lhe "o moscardo" porque ele era inoportuno, colocava questões impertinentes aos que se afirmavam como sábios, acabava por mostrar que a sabedoria deles era apenas aparente, uma mistificação de charlatães. Sócrates utilizava a ironia para combater o pedantismo intelectual daqueles que julgavam que sabiam tudo. Sócrates recusava-se a ser o mestre, o sábio, o fornecedor de soluções e, em contraposição, ajudava os outros a pensar na sua função de parteiro. Sócrates é o exemplo de quem não abdica das suas ideias e, perante a ameaça dos múltiplos inimigos, mantém a serenidade de espírito.
É pois inevitável falar de Sócrates. No entanto não vamos incensá-lo, transformá-lo numa estátua dourada. Tratemo-lo da mesma forma que ele tratava os outros, com respeito e ironia, de maneira a não o converter num mestre infalível. Sócrates merece que aprendamos com ele a pensar critica e livremente.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A Filosofia é um saber interrogativo porque as questões são mais importantes do que as respostas.
A Filosofia é inquietação, é, como dizia Karl Jaspers, "estar a caminho" sem confundir as eventuais pousadas de repouso com o fim do caminho.
A Filosofia é incómoda porque não se satisfaz com o consolo das soluções milagrosas e tudo questiona sem limites nem preconceitos.
A Filosofia é um profundo exercício racional que não se compadece com a superficialidade das ideias inspiradas mas que se recusa a transformar-se num ´passatempo estéril divorciado da vida e dos seus problemas.
A Filosofia é diálogo e tolerância mas nem o diálogo tem que significar concordância obrigatória nem a tolerância pode descambar numa espécie de amoralismo em que vale tudo e em que os valores são todos equiparados.
A Filosofia é um desafio a nós próprios, à nossa capacidade de pensar radical e livremente, pensar a sério acreditando que quanto melhor pensarmos melhor poderemos viver.
A Filosofia é...
O que é para si a Filosofia?

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

- Como é que se aprende Filosofia? – perguntou a Madalena”.
- A Filosofia não se aprende. – respondeu prontamente o professor – Só se aprende a filosofar.
- O stor é que nos come a cabeça – desabafou o Rogério.
- Explique lá isso – pediu o Jerónimo.
- Poder-se-ia ensinar Filosofia se houvesse só uma Filosofia.
- E não há? – perguntou o André.
- Há muitas filosofias, quase tantas quantos os filósofos.
- Isso é muito complicado – queixou-se o Rogério.
- A Filosofia não é um saber de unanimidades, ela faz-se através da discussão, do confronto de ideias.
- E então, o diálogo? – perguntou a Madalena
- O diálogo não exclui as discordâncias, o diálogo, sendo sempre a procura da concordância, não tem obrigatoriamente que nos fazer chegar a uma conclusão unânime.
- Voltemos ao assunto – pediu a Madalena – Se não se pode aprender Filosofia então o que é que estamos aqui a fazer?
- Boa pergunta – admitiu o professor – A resposta não é fácil. A Filosofia é mais do que um conjunto de pensamentos sistematizados, ela é um desafio para que cada um de nós construa os seus próprios pensamentos.
- O que é que isso significa? – perguntou o Jerónimo
- Significa que a Filosofia nos pode ensinar a pensar com maior rigor, com maior profundidade. Ao estudar os pensamentos dos filósofos podemos aproveitar para treinar as nossas próprias capacidades.
- Podemos discordar das opiniões dos filósofos? – espantou-se o Rogério
- Desde que fundamentemos devidamente essas discordâncias – observou o professor – Mas para isso temos que compreender verdadeiramente aquilo que os filósofos disseram e porque o disseram. Não é legítimo criticar aquilo que conhecemos vagamente ou, pior do que isso, que desconhecemos totalmente.
- Isso quer dizer que temos que conhecer aquilo que os filósofos disseram mas não para os imitar ou concordar com eles – tentou resumir a Madalena
- O essencial é desenvolvermos a nossa capacidade de pensar. O essencial é aprendermos a pensar com maior rigor e liberdade – concluiu o professor – Cada pensamento nosso ou dos outros deve ser examinado com atenção, esmiuçado para se avaliar a sua congruência.
- A sua quê? – perguntou o André
- A sua consistência lógica, a sua coerência – explicou o professor
- Onde é que o stor vai buscar essas palavras difíceis?
- É preciso também conhecer o sentido dessas palavras difíceis se queremos entender as mensagens dos filósofos. Eles normalmente não utilizam a linguagem que vocês usam no vosso quotidiano.
- O stor quer que andemos com um dicionário?
- Se o objectivo for compreender as ideias de alguém, é necessário que nada fique por descodificar. Uma palavra mal compreendida ou até mesmo ignorada pode implicar que o sentido profundo do texto se torne inacessível.
- O que é que é preciso mais para filosofar? – perguntou a Madalena
- Ter espírito aberto e crítico. Mas isso é assunto para outra conversa – rematou o professor
Questões do senso comum: particulares com respostas tradicionais ou baseadas nos sentidos.
Questões científicas: universais com respostas assentes na verificação experimental ou em informações que as confirmem.
Questões filosóficas: universais e abertas com respostas justificadas racionalmente

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Numa aula virtual, depois de alguma hesitação, um aluno perguntou ao professor: “mas afinal o que é a Filosofia?”. Até esse momento, as aulas, nove ao todo, tinham decorrido normalmente, com o professor a cumprir a sua tarefa e os alunos a tentarem registar nos seus cadernos as palavras difíceis que o professor debitava num ritmo alucinante. Fez-se um silêncio. Os bons alunos temeram que ao professor lhe desse um ataque de fúria. Depois, freneticamente, o Jerónimo, procurou nos seus apontamentos e disse: “A Filosofia é a arte de despertar”. “O quê? – espantou-se a Madalena – a Filosofia é um despertador?”. “De certa maneira – ponderou o professor – os filósofos sempre foram os despertadores entre os homens adormecidos.”. Essa afirmação inquietou a Madalena: “Então os homens estão adormecidos e só os filósofos é que estão acordados?”.”Lembram-se da Alegoria da Caverna de Platão que vos contei numa das primeiras aulas? – perguntou o professor. O Jerónimo preparava-se para repetir palavra por palavra aquilo que o professor tinha contado mas foi interrompido. “Na maior parte das vezes estamos adormecidos nas nossas certezas, nos nossos hábitos, nos nossos longos sonos repousados a que chamamos quotidiano.”. ”Isso é próprio do senso comum – não pode evitar Jerónimo de dizer”. “Isso é próprio de quem tem preguiça de pensar e prefere aceitar o que lhe dizem – completou o professor”. A Madalena não estava ainda satisfeita: “então, stor, a Filosofia obriga-nos a pensar?”. “Essa é uma das suas funções: desafiar-nos a pensarmos pelas nossas próprias cabeças, a correr riscos, a abandonar a seguranças das ideias cómodas e habituais.”. Entretanto a campainha tocou. “Na próxima aula continuaremos a dar resposta à questão – prometeu o professor”.

sábado, 17 de outubro de 2009


Caracterizar a filosofia, mais do que enunciar um conjunto de elementos, significa destacar aquilo que distingue a filosofia de outros saberes e constitui a sua especificidade.
Com as ciências, a filosofia partilha a racionalidade, o rigor, a exigência, a recusa da imediaticidade e a desconfiança em relação às primeiras impressões e aos sentidos brutos. Tal como o saber científico, a filosofia defende a investigação meticulosa, o trabalho em profundidade e rejeita a preguiça daqueles que julgam que pensar é um acto automático, espontâneo, algo que nos acontece e de que somos apenas os receptáculos.
A filosofia é autónoma porque não depende de nenhum outro saber. Os seus pressupostos não são impostos do exterior e por isso podem ser eles próprios questionados. Autonomia significa também, como insistia Kant, em pensar pela sua própria cabeça, sem tutores ou mestres que nos dominam as vontades e nos escravizam a pensamentos estandartizados.
A filosofia é histórica porque nenhum saber tal como nenhum homem pode ser alheio às suas circunstâncias. Imaginar que alguém possa pensar totalmente fora do seu tempo e da sua época é imaginar o filósofo como uma espécie de semi-deus a pairar acima dos outros homens. No entanto, se o saber filosófico é histórico isso não significa que ele possa ser ultrapassado ou ficar cristalizado no tempo. O saber filosófico é fundamentalmente um saber preocupado com o futuro e que, sem ignorar o passado nem o presente, pretende ajudar os homens a projectar-se em direcção à esperança.
A filosofia é universal porque é um saber de todos e para todos e tem como objecto de estudo o real na sua globalidade. Recordemos que as ciências têm também como característica a universalidade, mas no caso das ciências ela significa que as respostas dadas são válidas para todos, pelo menos num determinado período de tempo. Não podemos esperar da filosofia os consensos que existem entre os cientistas. Isso faz parte da especificidade da filosofia e transforma-a num saber incómodo que é capaz de fazer da incerteza e da plausibilidade um dinamizador da procura intelectual.
A filosofia é radical. Isto não significa que possamos esperar ver os filósofos a surfar ou a praticar outros desportos radicais. Também não significa que politicamente os filósofos tenham que ser revolucionários. A filosofia é radical porque não se limita a abordar superficialmente os assuntos mas investiga-os em profundidade. Ser radical é também não impor limites ao pensamento, não ter tabus ou sinais de proibição que nos impedem de questionar determinados assuntos delicados. Ser radical é não ser prisioneiro das conveniências e não nos acomodarmos a pensar apenas aquilo que, em certas circunstâncias, pode e deve ser pensado. A radicalidade é a marca que distingue a filosofia dos outros saberes, o elemento que denota a insatisfação permanente do filósofo, a sua ânsia permanente em saber mais e em quebrar todas as barreiras que queiram impor ao pensamento. A radicalidade mostra bem porque razão a filosofia só se pode fazer em liberdade.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Filosofar é:
· aprender a olhar e a ver – reorientar o nosso olhar e procurar novas facetas da realidade, alargando os nossos horizontes. Normalmente olhamos e não vemos porque a imediaticidade das coisas cega-nos e impede-nos de ver as coisas em profundidade. É preciso reaprendermos a olhar e principalmente a ver, sem névoas ou nevoeiros, sem preconceitos.
· uma libertação do pseudo-saber e da pseudo-realidade em que nos encontramos mergulhados e a que nos acomodamos. Estamos normalmente prisioneiros do saber que adquirimos, que absorvemos sem disso termos consciência. Usando o nosso espírito crítico, é necessário examinar tudo aquilo em que até agora aceitamos passivamente.
· uma arte de interrogação que, graças ao pensar autónomo, procura vencer o peso das doutrinas passivamente recebidas. O combate ao dogmatismo, às verdades inquestionáveis continua a ser um combate que é preciso travar agora e sempre em nome da tolerância e da liberdade de pensamento.
· uma busca de orientação para a existência, isto é, a tentativa de definição de um projecto para a nossa vida baseado na razão. Há que procurar o sentido das coisas mas também descobrir o sentido de nós mesmos.
· uma busca de construção de si – autonomia e liberdade através do saber, ou seja, uma conjugação de conhecimento e de exigência ética relativamente a nós próprios que nos permite definir o que queremos ser.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O senso comum e a filosofia

O senso comum tem o peso da tradição, que o transforma num saber de repetição e de hábitos e tem a fatalidade de estar prisioneiro das primeiras impressões, das aparências, da falibilidade dos sentidos. O senso comum é, fundamentalmente, superficial, sensitivo e sensorial, subjectivo, assistemático, acrítico. O senso comum, embora tenha a vantagem de ser utilitário e permitir-nos resolver os problemas do quotidiano, torna-se pernicioso quando se assume como uma visão do mundo devido à falta de espírito crítico e à sua submissão às aparências ilusórias.
A filosofia opõe-se à superficilialidade do senso comum substituindo-a pela radicalidade, pela investigação em profundidade, recusando as primeiras impressões, as visões superficiais, as evidências demasiado imediatas.
A filosofia opõe-se à crença nos sentidos e às visões emocionadas e emocionais através da reflexão e do uso crítico da razão que supera os erros dos sentidos e as impressões emocionais.
A filosofia opõe-se ao subjectivismo egotista daqueles que fazem girar o mundo em volta de si mesmos e, afirmando que o pensar deve ser pessoal, insiste na importância do diálogo e na possibilidade de construir um saber partilhado.
A filosofia opõe-se ao anarquismo daqueles que acreditam que se pode pensar no caos e através do caos, desordenadamente, sem método, espontaneamente e propõe a substituição desse anarquismo intelectual por um esforço de sistematização e de rigor propícios à partilha de ideias e à sua fundamentação. A filosofia opõe-se à ausência de espírito crítico, à passividade, à preguiça intelectual, à predisposição para aceitar os argumentos da autoridade, afirmando o inconformismo, o direito à divergência e utilizando a dúvida, a ironia e a reflexão crítica como poderosas armas para derrubar os dogmatismos.