sábado, 29 de novembro de 2008

A lógica e a filosofia

A lógica é um importante instrumento da filosofia mas esta não se reduz à lógica e ao domínio da validade. O discurso filosófico tem que ser claro e coerente mas tem que ser mais do que isso. A radicalidade não se faz obviamente à custa das regras da coerência mas a liberdade de pensamento não se pode acorrentar a cânones e a matrizes demasiado rígidas. A filosofia não é demonstração mas diálogo, discussão, polémica.
Os exercícios de lógica constituem um bom treino para o pensamento. A lógica põe à nossa disposição todo um conjunto de equipamentos para pensarmos correctamente. A lógica ensina-nos a evitar a má construção dos raciocínios e a não sermos precipitados e descuidados na conclusão dos nossos argumentos. A lógica serve para corrigirmos os nossos erros e detectarmos os erros dos outros. A lógica é um elemento regulamentador do espírito. Sem regras, sem método, o espírito, a razão, trabalha ao acaso, de forma anárquica e inconsistente e os seus resultados serão sempre instáveis e pouco fiáveis. Não podemos pois deixar de sublinhar a importância da lógica para a filosofia.
A filosofia, enquanto forma específica de saber racional, apoia-se na lógica mas não se reduz a ela. Quando, por qualquer razão, a filosofia pouco mais é do que lógica não passa de um exercício de estilo, estimulante mas estéril. Quando a exigência da validade se sobrepõe a tudo podem construir-se raciocínios formalmente estanques e inexpugnáveis mas o seu conteúdo, por ser relegado para segundo plano, pode transformar o pensamento num exercício circular e vazio que não trás nada de novo. Se as regras e os princípios lógicos são fundamentais para a nossa orientação racional, quando seguidos estritamente sem liberdade crítica, transformam-se em cadeias do pensamento, correntes que não o deixam ultrapassar as fronteiras do já pensado e reflectido.
O raciocínio silogístico, considerado por Aristóteles o modelo de raciocínio, foi justamente criticado a partir do Renascimento pela sua esterilidade gnosiológica. Para além disso não se podem reduzir todos os raciocínios ao padrão das três proposições e três termos.
A filosofia exige que se pense com forma e conteúdo, que se pense radicalmente explorando novos domínios e não ficando limitado por preceitos habituais e preconceitos ainda que muito arreigados.
A filosofia implica controvérsia, discussão, argumentação e não unanimidade, vias únicas de pensamento, conclusões constringentes, aceites obrigatoriamente por todos.
"O pensamento não serve a lógica; serve-se dela" afirmou Edgar Morin. Mesmo para Aristóteles a lógica é apenas um organon, um instrumento da filosofia e não o seu núcleo substancial. A filosofia não pode ser serva de coisa nenhuma porque ela é exercício de liberdade. Impor limites à filosofia, querer que ela seja a muleta de outros saberes, uma espécie de servente dócil que é chamada quando necessário confirmar uma posição ou tornar uma conclusão mais respeitável, é ignorar que a filosofia se faz na crítica e na radicalidade, na ruptura com o pensamento acondicionado e domesticado, o pensamento institucional.
A filosofia não se pode reduzir nem à lógica como ciência do bem pensar nem à retórica como arte de bem falar ou de persuadir embora ambas sejam importantes para a construção do discurso filosófico e para a sua comunicação.

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